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19-ABR-2025

ESPECIAL DIA DA RESISTÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS: O OUTRO LADO

Confira a luta pelos direitos e a valorização da cultura e dos saberes do povo indígena Jenipapo-Kanindé, pelo olhar da Cacique Pequena

Por Nayane Janja 19/04/2025 #diadaresistênciaindígena

Cacique Pequena. Foto/Reprodução: Iago Jenipapo

O Brasil comemora hoje (19) o Dia da resistência dos Povos Indígenas, uma data que nos convida a refletir sobre a importância da cultura e das tradições indígenas na construção da identidade brasileira. Reconhecer a pluralidade dos modos de vida, crenças, costumes, herança cultural e o respeito às formas de organização própria e o direito sobre suas terras são questões e desafios que afetam os povos indígenas brasileiros, em especial, o povo Jenipapo-Kanindé, localizado nos arredores da Aldeia Lagoa Encantada de nosso Município.

Poucos conhecem Maria de Lourdes da Conceição Alves por este nome. Originária do povo Jenipapo-Kanindé, nascida e criada na Aldeia Lagoa Encantada, ganhou o apelido de Pequena ainda quando criança. Cresceu, tomou ciência das necessidades do seu povo, aprendeu a lutar ao lado de Cacique Odorico, se tornou um dos maiores nomes na busca pelos direitos dos povos indígenas e em 1995, dois anos após a morte de seu líder, personagem que guiou todo o seu caminho, Pequena foi escolhida pelo seu povo, por unanimidade, para assumir o cargo de Cacique; função tradicionalmente ocupada por homens e de autoridade máxima dentro da aldeia. Um momento histórico que transformou a vida dela e mudou o futuro de centenas de mulheres indígenas. Hoje, 30 anos depois, ela ainda inspira mulheres de todas as gerações, de dentro e fora das aldeias.

Cacique Pequena, como é conhecida, conta que desde que assumiu a luta pelos direitos dos povos indígenas, muitas pedras atravessaram seu caminho. Além de lidar com os desafios naturais da função, como a luta pela demarcação de terras, a preservação ambiental, a valorização da cultura indígena, o respeito aos seus interesses e a garantia dos seus direitos, ela ainda precisava convencer a sociedade da sua capacidade de gerir um povo sendo uma mulher. "Não foi fácil chegar aonde [eu] a Cacique Pequena chegou. Passei por muitas barreiras, muitos altos e baixos, muitas dificuldades, fui muito discriminada, simplesmente, por eu ser uma mulher que alcançou a bênção de ser uma Cacique."

A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que reconhece a importância das terras ocupadas pelos povos indígenas para a sua sobrevivência física e cultural. Mas, na prática, Cacique Pequena explica que o acesso a esse direito não é tão simples assim. "A luta pela garantia de nosso território não foi fácil. [...] Cacique Odorico se foi e eu fiquei só, no zero, cuidando desse povo. Foi muita luta, foi uma luta muito árdua, caminhando muitas vezes para Brasília, para tudo que era canto do Brasil e do mundo, em reuniões para trabalhar em defesa desse povo, mas chegou o tempo de receber a nossa grande conquista: conquista da mãe-terra ser delimitada e ser demarcada."

Além das questões sobre a terra, Cacique Pequena também lutou muito para que seu povo tivesse instrumentos e recursos voltados para atender suas necessidades, com respeito e reconhecimento de sua identidade e valores socioculturais. "Conquistamos a Casa de Farinha, energia elétrica, escola, posto de saúde, CRAS [...] eu lutei para vê-los como estão hoje: uns empregados na escola, outros empregados no CRAS, outros no posto de Saúde... Ainda temos um Museu e uma pequena pousadinha para receber os turistas que quiserem vir fazer trilha".

Mas, apesar de todas essas conquistas, Iago Costa Silva, liderança jovem e comunicador indígena, explica que a luta do povo Jenipapo-Kanindé ainda não chegou ao fim. De acordo com ele, a terra que vivem, atualmente, já passou pelo processo de demarcação e delimitação, mas isso não garante a sua completa autonomia. Ainda é necessário passar por três fases: homologação, desintrusão e registro oficial da terra. É um processo lento, que depende, sobretudo, de boa vontade da União. "A homologação é a última etapa do processo de demarcação, depois começa o processo de desintrusão, que é a retirada de pessoas que ocupam terras indígenas ilegalmente e, por fim, o registro oficial da terra. Ou seja, o Governo faz o reconhecimento étnico, delimita, faz a demarcação física, dá a posse daquele espaço, daquela terra aos povos indígenas, depois começa o processo de desintrusão e o registro final. Quem assina é o Presidente da República."

Iago explica ainda que não se pode mais enxergar o indígena com os olhos dos colonizadores. Esta é uma ideia nostálgica e que não cabe mais no espaço contemporâneo. Hoje, é comum se deparar com um indígena utilizando um automóvel, um celular, ou um computador, o que não significa a perda da sua cultura ou de sua identidade. O que acontece, segundo Iago, é que o indígena entendeu que para lutar por seus direitos é preciso ocupar lugares de representatividade. "Estamos civilizados porque tivemos que acompanhar a evolução do mundo a nosso favor e capacitar indígenas para que eles pudessem demarcar espaços, como universidades e espaços governamentais".

Neste dia, o que Iago e Cacique Pequena esperam é que a sociedade reconheça as contribuições dos povos indígenas brasileiros para a construção de um mundo mais plural e democrático. Que as lutas e conquistas dos povos indígenas, que têm defendido seus direitos e sua autonomia, sejam reconhecidos e que o respeito à diversidade étnica e cultural prevaleçam sempre, pois só assim é possível construir uma sociedade mais justa e solidária.

Cacique Pequena chegou até aqui e só tem mais um único pedido. "Eu só peço a Deus força a mim, ao meu povo, e a todos os aquirazenses para lutar e cuidar do seu povo. Agradeço ao Prefeito Bruno Gonçalves porque ele é uma das pessoas que sempre estendem a mão a nós. Por favor, continue na missão de ajudar a todos que necessitam."

JENIPAPO-KANINDÉ

A etnia Jenipapo-Kanindé é originária dos povos Payaku e está situada no município de Aquiraz (CE), nos arredores da Lagoa Encantada, onde vivem 130 famílias, totalizando 479 indígenas.

O Censo Demográfico 2022 registrou 56.353 pessoas indígenas no Ceará, o que equivale a 3,33% do total de indígenas do Brasil e a 10,66% do total da Região Nordeste.

 

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